O Departamento do Ensino Superior e Investigação da FENPROF fez o balanço do incumprimento do protocolo negocial acordado com o MCTES e que deveria já ter sido concretizado, designadamente nas matérias relacionadas com os apoios à abertura de concursos de lugares de carreira destinados à vinculação estável dos investigadores precarizados, o ensino superior particular e cooperativo e a carreira de investigação. Nesta Conferência de Imprensa foram ainda apresentados um conjunto de dados relacionados com a elevadíssima precariedade na docência e na investigação (particularmente na investigação), o incumprimento dos rácios, a baixa publicação de editais para concursos internos, bem como a grave desvalorização salarial no setor, entre muitos outros aspetos.
Foi ainda anunciada a participação dos docentes e investigadores na greve da administração pública de 17 de março e na manifestação de todos os trabalhadores no dia 18 de março. Por último, referência à marcação de uma concentração junto ao MCTES, no dia 22 de março, às 13 horas, com vista a exercer-se pressão sobre a tutela para que dê cumprimento ao protocolo negocial com o qual concordou.
Urge cumprir o protocolo negocial acordado com o MCTES
O Departamento do Ensino Superior e Investigação da FENPROF (DESI-FENPROF) fez uma avaliação do atual momento vivido nas instituições de ensino superior e investigação, bem como dos problemas existentes que continuam na sua grande maioria por resolver. Face à situação social e política do país, o DESI-FENPROF vem, através desta nota, apontar um conjunto de questões para as quais se exigem medidas concretas de curto prazo.
A precariedade na investigação continua a ser a marca de água no ensino superior e na ciência em Portugal. De acordo com os números do DGEEC (2021), 75% dos investigadores têm vínculos precários, não contando com os bolseiros. Estes dados estão muito subestimados pois não incluem os contratados pelas Instituições Privadas Sem Fins Lucrativos (IPSFL). Parte dos investigadores estão abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 57/2016, alterado pela Lei n.º 57/2017 (denominado DL57) que implica, nas instituições públicas, a obrigatoriedade de abertura de um concurso público para a área do investigador para ingresso numa carreira, após os seis anos de contrato.
A FENPROF exige, por um lado, que esta possibilidade seja alargada às Universidades Fundação e às IPSFL das Instituições de Ensino Superior (IES), e, por outro, que sejam desde já criadas condições por forma a que as instituições tenham folga orçamental para poder abrir os respetivos concursos. A ausência de um compromisso claro de que existem apoios financeiros para a abertura destes concursos tem levado a que várias IES, de forma mais ou menos transparente, procurem impedir as renovações dos contratos. São muitos os colegas investigadores que correm o risco de ir para o desemprego. Essa ausência põe igualmente em causa o próprio Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) que não sobreviverá a uma maciça diminuição do ainda muito insuficiente número de investigadores que nele trabalham. A FENPROF já apresentou em julho passado uma proposta concreta para este fim que, entretanto, foi objeto de acrescentos e precisões e será de novo entregue à tutela na primeira oportunidade. É urgente encontrar uma solução para este problema. Em particular, o MCTES tem de anunciar de imediato às IES públicas que os seus orçamentos serão reforçados para garantir a abertura dos lugares de carreira necessários.
Categorias | Número |
Investigadores de carreira | 818 |
Investigadores precarizados | 2416 |
Total | 3938 |
% Investigadores precarizados | 74,71% |
Tabela 1: Investigadores a trabalhar em Portugal nas Instituições de Ensino Superior, excluindo bolseiros e contratados pelas IPSFL (Fonte DGEEC, 2021).
A FENPROF manifesta preocupação com a quase triplicação do número de bolsas de doutoramento que serão reservadas para o denominado ambiente não-académico, passando de 150 para 400, mantendo-se o número total de bolsas em 1450, resultando assim na diminuição do número de bolsas a atribuir com base no mérito absoluto dos novos investigadores e seus planos de trabalho. O entendimento da FCT de que reforçará assim a “ligação entre os planos de trabalho desenvolvidos em ambiente académico e o tecido empresarial e social, numa aceção ampla, que inclui empresas, entidades públicas, sociais, da saúde, culturais ou outras instituições de interface” não só carece de demonstração, face ao manifesto insucesso da mesma medida no ano anterior, onde apenas 102 das 150 bolsas reservadas para ambiente não-académico foram atribuídas, como reforça o entendimento eminentemente técnico, instrumental e aplicado da ciência a financiar pelo próprio Estado, quando é precisamente essa a componente que o tecido empresarial pode e deve financiar, em detrimento do não menos necessário espaço para a investigação fundamental, as ciências sociais e as humanidades, precisamente as áreas que o tecido empresarial nunca financiará.
No que concerne à sexta edição do Concurso Estímulo ao Emprego Científico (CEEC) Individual que vai agora abrir, para a atribuição de 400 contratos a termo com doutorados, para o exercício de atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia, ao abrigo do DL57, a FENPROF considera, uma vez mais, que não só o número é insuficiente para dar resposta às necessidades do SCTN, como mantém o mesmo caminho de pretender desenvolvê-lo recorrendo única e sistematicamente ao trabalho precário.
É preocupante a manutenção de regras de obrigatoriedade de concorrer a categorias superiores de contratos a termo simplesmente em função do número de anos decorridos desde o doutoramento dos candidatos. Sendo absolutamente fundamental estimular e promover cada vez mais o desenvolvimento de atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia dos recém-doutorados, permitindo-lhes um maior acesso a novos contratos, tal não pode ser feito através do descarte dos demais investigadores que trabalham ano após ano sem lhes ser facultada a possibilidade de entrada para as carreiras. A precariedade não se combate pela eliminação administrativa dos “precariáveis”, a precariedade combate-se pela contratação para as carreiras. Preocupante é também a introdução da regra que elimina deste concurso todos os candidatos que no anterior tenham tido classificação inferior a 5 (numa escala de 0 a 10), eliminando igualmente do próximo concurso os que neste não obtiverem nota superior a 5. Tal regra contraria o princípio básico da igualdade de oportunidades.
A precariedade atinge igualmente os docentes, com taxas inaceitáveis de contratação (a termo) por convite que chegam a ir muito para lá dos limites estipulados pelos estatutos das carreiras docentes universitária e politécnica. Também nestes casos o PREVPAP ficou muito aquém das expetativas e das necessidades. Neste sentido, a FENPROF reclama um compromisso sério da tutela para combater este fenómeno que é transversal a todas as instituições, está na origem de fenómenos extremos de exploração e aumenta de forma exponencial os riscos de assédio laboral.
O Decreto-Lei n.º 112/2021 veio possibilitar a abertura de concursos internos de promoção, replicando, com regras ligeiramente diferentes o decreto orçamental de 2019 (artigo 77.º do Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28 de junho). Estas iniciativas vieram corrigir uma situação que ameaçava colocar muitas instituições numa situação de ilegalidade face aos rácios previstos pela legislação em matéria de professores associados e coordenadores e catedráticos e coordenadores principais. Com o fim à vista da vigência do Decreto-Lei n.º 112, em junho, a FENPROF vê com preocupação que muitas instituições se encontrem ainda distantes desse objetivo, com claro prejuízo dos docentes e das próprias instituições. A FENPROF apela para a necessidade de acelerar a aprovação dos processos por forma a tirar o máximo partido desta possibilidade de valorizar a classe docente.
Recentemente, a Assembleia da República aprovou as alterações da Lei de Bases do Sistema Educativo e do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, permitindo desta forma que os institutos politécnicos possam conferir o grau de doutor e adotar a designação em língua inglesa de Polytechnic University, no quadro da sua política e estratégia de internacionalização. A FENPROF, que apoiou de forma inequívoca ambas as iniciativas, espera agora que, valorizados os politécnicos, se possam igualmente valorizar os docentes destas instituições, acabando com discriminações inaceitáveis em matéria de índices remuneratórios e de horas letivas.
Quanto á degradação dos salários, como é sabido, em virtude dos travões à progressão nos escalões remuneratórios, os docentes e investigadores das instituições de ensino superior e ciência foram das classes mais penalizadas ao longo da última década, com perdas nos salários reais avaliadas entre 15 a 20%. Com os valores atuais da taxa de inflação, se nada for feito, antecipa-se mais um rombo inaceitável nos salários. Exige-se por isso uma atualização em linha com a inflação para evitar mais uma degradação do poder de compra dos salários de docentes e investigadores.
Para concretizar estas reivindicações é imperioso que se mantenham os canais negociais abertos em 2022, mas que estão interrompidos desde novembro por falta de resposta do MCTES. Por tudo isto, urge que o MCTES dê início às negociações prometidas no protocolo negocial acordado com FENPROF, em novembro de 2022. Recorde-se que o protocolo fixava como prioridades para o primeiro semestre de 2023 nomeadamente a revisão do Estatuto da Carreira de Investigação Científica e a criação de um Regime dos Docentes e Investigadores do Ensino Superior Particular e Cooperativo. O mesmo protocolo inclui, no seu 3.º ponto e para o mesmo período, a negociação sobre “Consagrar um mecanismo de apoio à abertura de procedimentos concursais para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior a que as instituições públicas se encontram obrigadas no término dos 6 anos de contratação a termo”.
A FENPROF endereçou à tutela no passado dia 2 de março uma carta onde reclama o início das negociações. Perante o silêncio do MCTES, tendo sido noticiada apenas a vontade de abordar as duas primeiras matérias, ignorando-se a questão fundamental do combate à precariedade na investigação, a FENPROF decidiu marcar uma concentração à porta do ministério no dia 22 de março a partir das 13h, onde os investigadores e docentes irão reclamar o desbloqueio das negociações. A FENPROF solicitará ser recebida pela ministra, com o objetivo de lhe entregar as suas principais reivindicações.
Entretanto, e porque o tempo é de luta, iremos também participar na Greve Nacional de amanhã, dia 17 de março, promovida pela Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública e, no dia seguinte, 18 de março, estaremos presentes na Manifestação Nacional promovida pela CGTP-IN em prol de melhores condições de trabalho e de vida.
Lisboa, 16 de março de 2022
O Secretariado Nacional da FENPROF
O Departamento do Ensino Superior e Investigação da FENPROF