Durante o final de 2023 e início de 2024 a FENPROF promoveu um estudo sobre as condições de exercício da profissão no 1.ºCEB, através de um questionário ao qual responderam milhares de docentes deste nível de ensino.
Estes professores expressaram a sua opinião relativamente a questões como o regime de docência, horários de trabalho, dispensas da componente letiva, modelo de gestão e estado de conservação e funcionamento dos edifícios e dos equipamentos.
A distribuição geográfica dos docentes que responderam ao inquérito, bem como a distribuição por faixa etária e tempo de serviço, permite-nos inferir que alcançámos uma amostragem representativa da realidade das escolas, e dos docentes, deste nível de ensino.
Verificamos que apenas 5% têm menos de 40 anos de idade, sendo que quase metade (46,5%) tem entre os 41 e os 50 anos de idade. Mais preocupante ainda é o facto de 48,5% ter mais de 51 anos de idade (1/3 destes docente tem mais de 60 anos).
Em termos de tempo de serviço, 45,2% dos docentes tem entre 20 e 30 anos de serviço e quase 31% tem 30 ou mais anos de serviço. Embora se possa considerar a experiência como uma vantagem, o nível de desgaste que estes anos de serviço provocaram, aliados à crescente sobrecarga de tarefas que nada têm a ver com o ensino, acaba por suplantar essa vantagem quando estamos a falar de trabalho com crianças e das necessárias agilidade e capacidades física e mental. Mas veremos isso com mais pormenor mais adiante.
A maioria dos docentes é titular de turma (79,2%) em regime de monodocência (90,7%).
Dois terços das escolas têm 5 ou mais lugares (salas de aula) e apenas 16,4% têm até 3 lugares.
Quase metade dos edifícios (40,6%) necessita de obras e 70% não tem equipamentos suficientes. As maiores falhas são ao nível da rede de internet, dos computadores e dos espaços desportivos.
Relativamente às turmas, quase metade (49,4%) têm 21 ou mais alunos, sendo que 24,1% têm uma dimensão superior à prevista na lei (superior a 23 alunos).
As turmas com alunos com medidas seletivas ou adicionais têm direito a uma dimensão reduzida, com um máximo de 20 alunos. A realidade é que 46% das turmas que incluem estes alunos têm mais de 20 alunos e 1/3 do total destas turmas tem mais de 2 alunos abrangidos por estas medidas (limite definido por lei). Ou seja, é dupla a irregularidade promovida por sucessivos ministérios da educação.
A esta diversidade nas turmas acrescem os alunos que não têm o português como língua materna. Quase metade das escolas que os recebem têm 6 ou mais destes alunos, mas apenas as que têm 10 ou mais têm direito à colocação de um docente de PLNM, ou seja, 77,5% destas escolas tem que conseguir proporcionar o serviço educativo a estas crianças sem o apoio de qualquer docente focado na aprendizagem do português enquanto língua não materna. Será fácil de entender que isto representa uma sobrecarga (mais uma) para os docentes titulares de turma e para os docentes de apoio educativo, quando os há.
Assim, não será de surpreender que 59% dos docentes considerem que as turmas não têm uma dimensão ajustada e que este facto prejudica o direito ao apoio individualizado, à interação personalizada, à disciplina dentro da sala de aula e à produtividade do trabalho desenvolvido.
Embora a lei preveja, há muito, o direito à pausa no tempo de trabalho e de já haver diversos esclarecimentos ao nível de diplomas legais e por diversas entidades (incluindo o anterior ministro da educação), ainda há mais de 40% dos docentes obrigados ou pressionados a fazer a vigilância dos intervalos, anulando essa pausa.
Para 44,1% dos docentes as reuniões decorrem para além do horário de trabalho. O mesmo acontece relativamente à articulação e supervisão das AEC para 58,7%.
Excesso de alunos com realidades e necessidades complexas, reuniões e articulação das AEC para além do horário de trabalho e excesso de tarefas burocráticas. 70% dos docentes atribuem um nível de sobrecarga provocada pela burocracia. Este tipo de tarefas representa 4 ou mais horas de trabalho para 60% dos docentes. Esta sobrecarga afeta, acima de tudo, a vida pessoal e familiar (89,1%), a saúde mental (76,2%), a planificação de atividades (70,7%) e a produção de recursos (70,1%).
A coordenação de estabelecimento, que implica inúmeras tarefas administrativas e de gestão, não tem garantida a redução da componente letiva para 44,1% dos docentes nesta situação. Porém, quase 98% considera essa redução importante.
O Estatuto da Carreira Docente prevê reduções da componente letiva por antiguidade como forma de atenuar o desgaste inerente ao exercício da profissão.
Para os docentes do 1.º Ciclo, estão previstas reduções em termos muito específicos aos 25 e 30 anos de serviço e a partir dos 60 anos de idade. Tendo a maioria dos docentes mais de 25 anos de serviço, apenas 13,3% opta por usufruir destas reduções e, destes, 73,3% usufruem da redução de 5 horas letivas semanais a partir dos 60 anos. A explicação é simples. A maioria das tarefas atribuídas às horas de redução continua a significar trabalho direto com grupos de alunos, sendo a mais penosa a substituição de docentes em faltas de curta duração.
Estas substituições constituem uma sobrecarga para os docentes mais velhos e, visto que também mobilizam os docentes adstritos ao apoio educativo, significam igualmente uma redução do acesso dos alunos ao apoio a que têm direito. Deste modo, 94% dos docentes concorda com a constituição de uma bolsa de docentes para as substituições por faltas de curta duração.
90% dos docentes considera que as reduções por antiguidade deveriam seguir os mesmos termos aplicados aos docentes dos restantes níveis de ensino.
As AEC, que deveriam representar uma resposta social de caráter lúdico, são consideradas por 30% dos docentes escolarização excessiva e em 23% das escolas interfere com as atividades letivas. Em 60% das escolas verifica-se uma grande instabilidade nos técnicos. Quase metade dos agrupamentos não tem um sistema de avaliação (monitorização) deste programa.
Os agrupamentos, por incluírem, na sua maioria, diversos estabelecimentos com todos os níveis de ensino, englobam muitas realidades muito diversas e as escolas do 1.º Ciclo (bem como os jardins de infância) são as que tradicionalmente se encontram geograficamente mais distantes do centro de decisão (a escola sede onde se encontra o órgão de gestão). Por isso, 92% dos docentes considera da máxima importância a inclusão de um docente deste nível de ensino na equipa de direção, o que não acontece em 20% dos agrupamentos.
Em conclusão, é muito crítico o retrato que a FENPROF, através das respostas dos professores no terreno, faz do 1.º Ciclo do Ensino Básico que se encontra a funcionar sob uma enorme pressão, com um corpo docente muito envelhecido, a exercer em edifícios muitas vezes degradados e mal equipados e com um número significativo de turmas cuja dimensão excede os limites legais.
Lisboa, 17 de junho de 2024
O Secretariado Nacional