O programa apresentado pelo governo ontem, 14 de junho de 2024, designado “+ Aulas; + Sucesso” é pouco ambicioso ao prever reter e atrair 3400 docentes para dar resposta a um problema já existente, que se tem vindo a agravar e que, no futuro próximo, se tornará ainda mais preocupante. Como indicam estudos realizados, até final da década serão necessários mais 34 000 docentes no sistema; o programa que o governo apresenta, no que é possível quantificar, não vai além de 10% daquela necessidade.
Ainda assim, a FENPROF assinala o reconhecimento, pelo governo, da gravidade que a falta de professores, só nas escolas públicas (o problema também existe nos colégios privados, mas não é divulgado) hoje atinge, correspondendo aos números que a FENPROF tem vindo a divulgar e que a anterior equipa ministerial nunca aceitou divulgar:
– Em setembro de 2023, mais de 320 000 alunos não tinham os professores todos;
– Em 31 de maio de 2024, eram mais de 20 000 os alunos que não tinham todos os professores (número que, entretanto, aumentou para 40 000);
– Cerca de 1000 alunos não têm os professores todos, praticamente desde o início do ano;
– Cresce o número de grupos de recrutamento críticos, com a Informática, o Português e a Geografia no topo, mas logo seguidas de outras como Matemática, Pré-Escolar, Físico-Química, Inglês ou Biologia e Geologia;
– A falta de professores tem maior expressão na Área Metropolitana de Lisboa, mas também no Algarve e no Baixo Alentejo.
Em relação às medidas previstas para 2024-2025, a FENPROF acompanha o objetivo, considera a estratégia demasiado genérica e, quanto às medidas concretas, considera que:
– Algumas colidem com o disposto no Estatuto da Carreira Docente, pelo que a aprovação está sujeita a negociação coletiva, como a atribuição de horas extraordinárias nas horas de redução da componente letiva (artigo 79.º do ECD) ou o aumento do número de horas extraordinárias para 10. Seja como for, a aceitação de tão elevado número de horas extraordinárias terá de ser voluntária;
– Há medidas com que a FENPROF concorda, como sejam: a contratação de técnicos superiores para apoio administrativo às direções de turma, embora boa parte do trabalho dos diretores de turma não seja administrativo; a possibilidade de contratação diária, a partir da Reserva de Recrutamento, presume-se, e não apenas semanal, que, por norma, demora 3 semanas; a substituição por 1 ano de docentes com incapacidade por esse período, devidamente atestada por junta médica;
– Quanto à agregação de horários dentro do mesmo QZP em caso de horários incompletos, já consta do diploma de concursos (horários compostos);
– Em relação à redução das mobilidades, falta saber quais: a mobilidade por doença? A mobilidade interna concursal? A mobilidade estatutária, sabendo-se que há organismos que, por reduções anteriores, se encontram no limite, como, por exemplo, os relacionados com a Ciência Viva?
No que respeita a medidas cujo impacto está quantificado, é entendimento da FENPROF que:
– Não será atraindo aposentados (que foram desrespeitados no processo de recuperação do tempo de serviço) que se dará o inadiável rejuvenescimento da profissão docente, indispensável para assegurar o futuro. Ademais, é pouco crível que se retenham 1000 docentes que estão para se aposentar, pagando até 750 euros quando, depois de se aposentarem, poderão receber até 1604,90€;
– É destituído de qualquer laivo de ambição prever recuperar 500 docentes quando abandonaram o sistema, na última década e meia, cerca de 20 000;
– Em relação à contratação de bolseiros de doutoramento, de mestres e de doutores para dar aulas, nada a opor, desde que a sua habilitação científica corresponda à que está prevista no recém-publicado diploma sobre habilitações, não descendo ainda mais o nível das qualificações;
– Quanto ao reconhecimento de tempo de serviço a docentes do ensino superior e investigadores com habilitação própria para a docência, a FENPROF sempre defendeu essa possibilidade, daí o seu acordo;
– Também merece acordo o reconhecimento de habilitações a docentes imigrantes, desde que estas correspondam às que se exigem em Portugal.
A questão é que, tudo isto somado, não vai além de 10% das necessidades. E mesmo as 2000 bolsas para novos estudantes dos cursos de ensino, elas serão atribuídas a futuros professores, que apenas chegarão ao sistema dentro de 5 anos; ora, o sistema educativo, só ao longo do ano letivo em curso, verá quase 5000 docentes saírem para a aposentação.
Duas últimas notas:
– Qual o ponto de situação relativo à criação de núcleos de estágio nas escolas para que, em setembro de 2024 se retomem os estágios remunerados? A FENPROF lembra que a legislação que saiu prevê a recuperação desse modelo de estágio, só que, desde a sua saída até aos dias de hoje não se ouviu falar da preparação da sua implementação;
– Não há volta a dar: o problema da falta de professores só se resolve quando, de uma vez por todas, o governo decidir tomar medidas de valorização da profissão docente, tornando-a atrativa.